Nas primeiras civilizações o principal objectivo da agricultura era a fixação das pessoas ao proporcionar-lhes qualidade de vida. A relação entre as cidades emergentes e a ruralidade era simbiótica. Nas megacidades de hoje, que estendem betão por áreas insustentavelmente grandes, fazendo retroceder e desaparecer as zonas rurais debaixo de autovias e dormitórios , convidando ao uso do carro mesmo que seja a passo de caracol, parece reger a convicção de que qualidade de vida é confinar a natureza, concentrar os serviços e afastar a produção dos nossos alimentos. Zonas verdes só mesmo no espaço que sobra do frenesim da construção e só se forem inteiramente domadas: um banquinho desconfortável, canteirozinhos, um escorrega com chão de borracha, um caminho iluminado com holofotes e uma placa ‘não pisar a relva’.
Lisboa já foi uma cidade de tradição hortícola. E entre as ruínas das quintas de outrora e à beira das estradas de 6 e 8 vias, os resistentes, na sua maioria de 3ª e 4ª idade com origens rurais ou imigrantes horticultores, mantêm o bom costume do cultivo próprio.
No entanto mundialmente 800 milhões de pessoas dedicam-se à agricultura urbana (FAO 1998), assumindo 15% da produção mundial de alimentos. Há cidades auto-suficientes em produtos vegetais, outras, como Londres e várias cidades na Holanda, produzem cerca de um terço dos seus alimentos verdes.
As hortas urbanas não são só um suplemento ou uma ajuda no rendimento familiar, nem só uma reafirmação identitária das origens e do património cultural herdado, nem tão só uma ocupação de tempo alternativa e terapêutica. Mais que isso, inserem-se numa perspectiva holística dos habitats humanos, onde natureza e edificado vivem em harmonia, onde a civilização encontra a eco-técnica e a biosfera. Numa ecopolis a vegetação desempenha funções de termorregulação, de controlo da humidade e protecção do sol e vento, de limpeza do ar, de diminuição do ruído e ainda como elemento integrador da paisagem. Aqui, a agricultura não tem exclusivamente uma função produtiva mas contribui activamente para a criação de um ecossistema regenerativo e lança as bases para o estabelecimento de comunidades no sentido original da palavra.
São inúmeros os benefícios das hortas urbanas, sejam elas sociais, de recreio ou pedagógicas. A nível ambiental, desempenham uma função importante na potenciação da biodiversidade local, a infiltração das águas pluviais e a diminuição do ruído e da poluição. De salientar que por norma as hortas urbanas respeitam os princípios da agricultura biológica e podem servir para reciclar os resíduos orgânicos da cidade para além de aproveitar as águas residuais. Ao nível do planeamento urbano, têm um papel na preservação de espaços verdes, de reabilitação de espaços públicos abandonados ou degradados e de ligação dos corredores verdes. No campo social, proporcionam uma actividade lúdica, são uma oportunidade de convívio e estimulam a participação dos cidadãos. Por fim, no plano económico, representam um contributo para a menor dependência dos produtos exteriores, a poupança de energia e ainda para a afirmação do direito à soberania alimentar.
Hoje, 50% da população humana vive em cidades, criando uma pressão insustentável sobre os recursos naturais. É impossível não nos realizarmos que crescer não é sinonimo de desenvolver. Os agrossistemas podem e devem dar uma contribuição preciosa na interligação entre o edificado e a sustentabilidade, para que abracemos de novo a ruralidade banida e desprezada durante os últimos 30 anos.
‘O homem do futuro terá tanto de rural como de urbano sem que nele se confundam ou diluam as duas ancestrais culturas’ (1).
Fontes: Globonews, BSCD Portugal, Mó de Vida, Jacinto Rodrigues - Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto, José Mariano Fonseca , Rita Calvário in Blocomotiva, Arq. Gonçalo Ribeiro Telles in Jornal de Leiria
(1) José Mariano Fonseca in Hortas urbanas – o seu florescimento e a sua componente didáctica
Está na hora de sair de casa
Porque a vida do dia-a-dia deixou de se criar, alimentar e saborear nas ruas da cidade, isolando-se em espaços monótonos e disconexos..
Porque nos movemos num túnel que nos transporta apressadamente das quatro paredes do nosso lar para as do nosso emprego e das nossas catedrais de consumo..
Porque para fomentar a tolerância é importante ter espaços para misturar e conviver com pessoas diferentes e assim descobrir que também somos semelhantes..
Porque uma cidade com gente na rua é uma cidade segura..
Porque o cordão umbilical que sempre ligou a cidade à natureza foi pavimentado, inibindo-a de respirar, de arrefecer-se, de hidratar-se, de abrigar-se do sol e de viver as estações..
Porque os bairros e as comunidades estão a ruir e já não conhecemos o nosso vizinho ..
Porque a esfera pública deve ser o território da humanidade e não da economia e ainda menos do economicismo..
Porque os centros comerciais não são espaços públicos e as estradas não são ruas..
Porque os espaços comuns são essenciais para celebrar, protestar, dialogar, namorar, expôr toda a complexidade do nosso tecido social e unirmo-nos em solidariedade..
Porque a mudança revigora-nos..
Por essas e muitas outras está na hora de sair de casa e fazermo-nos à rua.
Vamos reconquistar território e mudar as fronteiras, montar nas ruas os palcos da nossa expressão artística e cultural..
..em espírito de festa.
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